23 dezembro 2007

Natal e a esperança

Diário do Nordeste – 23.12.07


JOSÉ COSTA MATOS


Naquela mesma velha noite amiga, noite cristã, berço do Nazareno´, um homem busca repetir, no soneto de Machado de Assis, a beleza espiritual que todos buscamos repetir agora. Sobra-lhe confusão na pergunta:

´Mudaria o Natal, ou mudei eu?

´Porque estamos sem saber o que é Natal e o que somos, na passagem do aniversário do filho de Maria de Nazaré.

A propaganda consumista impõe enganos desse entendimento: arquiteta presépios, arruma jogos de luzes para o deslumbramento dos compradores. Mas desestimula as perguntas sobre os extravios humanos, em tantas encruzilhadas mal sinalizadas.

Os magos procuraram rumo nas estrelas para o encontro do Natal. Trouxeram ouro, incenso e mirra para o Menino, nascido na manjedoura porque os pais não conseguiram lugar nas hospedarias de Belém. E nós não precisamos de rumos? Uma busca orientada exige que pensemos. E tudo nos induz a não pensar. Consumismo é isto.


A ilusão de evitar a angústia é afundar no aturdimento. Para isso, as prateleiras das lojas estão repletas de uísques e champanhe vencedores das barreiras alfandegárias. Porque vêm do trabalho distante de outros povos, dão prestígios aos bebedores, além dos desejados desmontes da reflexão.

E dirão: Jesus Cristo gostava também de festas, também bebia o seu vinho... Sim. Ele assumiu a natureza humana, exceto o pecado. Participava de festas. Aceitou o banquete oferecido por Zaqueu, o cobrador de impostos. Agradeceu as comidas especiais que lhe preparavam em amizade as irmãs Marta e Maria de Betânia.

No entanto, não deixava de ir ao deserto, para as meditações que resgatam a verdade humana, em dias como estes, quando se adensa fumaceiro dos noticiários e há o risco de que as esperanças também anoiteçam.

Ele não ficou insensível aos dramas dos pobres. As multidões o seguiam, sem comer por três dias. E lá estão, nos Evangelhos de Mateus e de Marcos, estas palavras da segunda multiplicação dos pães: ´Eu tenho pena dessa gente´. E ordenou que se multiplicassem os sete pães e alguns peixinhos. Comeram quatro mil, sem contar as mulheres e as crianças...


´Mudaria o Natal, ou mudei eu?



´As filosofias dos últimos séculos mudaram a humanidade. Centraram as formas de vida na substituição de Deus por muitos deuses. E hoje são deuses a conta bancária; o apartamento de cobertura; o automóvel de luxo; o computador que desemprega operários; o prestígio da imagem na televisão...

O esquecimento de Deus amesquinhou o significado do Natal.

O vazio de Deus nas almas se povoou de medos. Medos, muitos pavores.


Séculos antes de Cristo, Isaías falava dos direitos humanos à alegria, com o futuro nascimento do Nazareno. Um retorno à leitura do Profeta do Advento renova o entendimento do Natal como festa do espírito. Porque o Natal vivido apenas com uísque e champanhe e presentes não orienta a viagem da raça humana no tempo.


Mas é possível mudar a direção da mídia. Mudar o pensamento criativo. Mudar a luz negra pavorosamente fixa nas imaginações. Leão Magno, papa de 440 a 461, falou da teofania de Jesus Cristo: ´

Alegremo-nos. Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida, uma vida que destrói o temor da morte.´


Natal, cristãos. Aleluia.

* da Academia Cearense de Letras

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