Fonte: Folha de São Paulo.
Desigualdade educacional é ainda maior que a de renda
Estudo mostra que abismo entre pobres e ricos no Brasil é maior na educação
Pesquisador usou parâmetros similares aos da fórmula usada por economistas para chegar a essa conclusão
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
O abismo que separa pobres e ricos no país em termos de aprendizado é maior que o verificado na desigualdade de renda, área em que, apesar dos avanços recentes, o Brasil ainda é lembrado como uma das nações mais desiguais.A conclusão é de um estudo do pesquisador José Francisco Soares, coordenador do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da Universidade Federal de Minas Gerais.Publicado no periódico científico "International Journal of Educational Research" (Jornal Internacional de Pesquisa Educacional), o trabalho estimou a desigualdade na educação brasileira usando parâmetros similares aos do índice de Gini, fórmula usada por economistas para avaliar o grau de desigualdade na renda de um país. Esse índice varia de zero a um, sendo um o máximo de desigualdade.Usando a mesma escala, Soares calculou a desigualdade de aprendizado de alunos brasileiros a partir das notas dos estudantes de oitava série nas provas de matemática do Saeb em 2003 (exame do MEC que avalia a qualidade da educação) e chegou ao índice de 0,635."É um valor alto, o que mostra que o resultado do sistema educacional brasileiro fica muito abaixo das expectativas. É também superior ao índice de Gini do Brasil, ou seja, a desigualdade educacional [...] é maior do que a econômica", afirma o pesquisador em seu artigo. Para 2003, o IBGE calculou em 0,545 o índice de Gini brasileiro.O estudo mostra ainda que a desigualdade entre meninas é maior do que a entre meninos e que, de 1995 a 2003, houve aumento no índice.Para calcular a desigualdade, Soares diz que os economistas estabeleceram como parâmetro uma situação ideal em que todos teriam a mesma renda e, a partir daí, medem quão distante cada país está disso. "O que fiz foi adaptar essa idéia para a educação. Aqui, entretanto, o ideal em termos de desempenho não é a igualdade. Não podemos querer que todos aprendam o mesmo em todas as áreas. Quando eu olho uma boa escola, é preciso que ela tenha um grupo de excelência, mas que seja também capaz de garantir níveis básicos de aprendizados para todos."Para Soares, o preocupante no caso brasileiro é que a desigualdade nas notas entre alunos nem sempre é discutida pelos gestores. Ele teme que possa acontecer com a educação o mesmo que ocorreu com a economia no milagre econômico (na década de 70) -ou seja, as médias crescerem sem que a desigualdade diminua."O Ideb [índice criado pelo MEC a partir das taxas de repetência e notas dos alunos para estabelecer metas de melhoria até 2022], por exemplo, não incorporou essa discussão. As médias poderão melhorar com estratégias não equitativas."Como exemplo de uma dessas estratégias que melhoram as médias sem diminuir a desigualdade, ele lembra que uma escola pode concentrar seus esforços nos alunos medianos e que estão mais próximos da meta, deixando de lado os que estão muito abaixo.
"Nunca tinha tido aula de inglês", diz aluna que mudou para escola particular
DA SUCURSAL DO RIO
No início deste mês, o Pisa (exame internacional que compara o desempenho de alunos) mostrou que o Brasil apresentou, entre 35 nações onde foi possível fazer essa comparação, a maior desigualdade entre a escola pública e a privada. A estudante Érika Correia, 16, comprovou isso na prática.Há dois anos, graças a uma bolsa integral para bons alunos de escolas públicas, ela trocou a Escola Municipal Francisco Cabrita, na Tijuca (zona norte do Rio), pelo colégio particular Mopi, no mesmo bairro."As notas de minha filha eram muito boas, mas eu sabia que a educação do município estava fraca demais. Quando ela entrou para a nova escola, na oitava série, começaram a surgir as dificuldades", diz a mãe de Érika, Fátima Correia.Para não ficar para trás em relação aos colegas, a adolescente teve de se esforçar em dobro. Acostumada a uma carga horária de cinco horas, teve de praticamente dobrar o tempo dedicado aos estudos.Pela manhã, estudava quase seis horas. À tarde, recuperava a matéria defasada em mais três horas de estudo. Nos dias em que não havia monitoria, sua mãe ainda pagava um professor particular."É muito mais puxado. Nunca tinha tido aula de inglês no município. Em português, lá eu tinha apenas um professor para dar aula de redação, literatura e gramática. Aqui, é um para cada", diz a adolescente.A mãe de Érika conta também que sentiu muita diferença no interesse dos pais: "No município, numa turma de 40, apareciam na reunião de pais de cinco a dez, somente. Aqui, eles participam mais, e há uma reunião com cada família".Foi para reduzir desigualdades como essas que um grupo de moradores de Niterói (RJ) criou a Associação Brasileira de Apoio Complementar à Educação. Um dos objetivos da ONG é, desde o início da educação básica, dar aos alunos carentes de escolas públicas o atendimento extraclasse que filhos de pais de maior renda conseguem com mais facilidade.A psicopedagoga Lilian Paiva conta que é comum os professores da rede pública, às vezes sobrecarregados com o número de crianças por turma, fazerem diagnósticos errados dos problemas de aprendizado ou não darem soluções adequadas.Uma dessas situações aconteceu com Júlio Chaffin de Souza, 5, filho de Elaine Chaffin. "A professora disse que meu filho era hiperativo e que não estava conseguindo dar aula por causa dele. Ela então me pediu que o levasse para a escola só depois das 14h. Com isso, ele estava perdendo uma hora de aula [das 13h às 14h] em relação aos demais. Não achei justo." Ela preferiu transferir o filho para outra escola.
Maior desigualdade escolar é em São Paulo
Secretária estadual da Educação diz que o tamanho da população do Estado é uma das explicações para as diferenças
Para economista, se Brasil quiser continuar diminuindo sua desigualdade de renda, será preciso colher avanços na desigualdade educacional
DA SUCURSAL DO RIO
O economista Fábio Waltenberg, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, também pesquisou a desigualdade brasileira a partir das notas de alunos da oitava série em matemática e descobriu que São Paulo é o Estado com a maior diferença.Em sua tese de doutorado -premiada pela Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia-, Waltenberg também aplicou na educação uma medida usada por economistas (o índice de entropia generalizada) para medir a desigualdade de renda.Ele mostra que os Estados mais desiguais são São Paulo, Rio Grande do Norte, Piauí, Pernambuco, Minas e Rio. No outro extremo estão Amapá, Rio Grande do Sul e Acre.O Sudeste, apesar de ter desempenho melhor no Saeb, apresentou mais desigualdade. No Nordeste, acontece a pior situação: médias baixas com altos níveis de desigualdade. O Sul apresentou o resultado mais satisfatório: menos desigualdade e melhores médias.No caso de São Paulo, a hipótese de Waltenberg é que, assim como acontece no Rio e em Minas, há, ao mesmo tempo, os melhores colégios particulares e péssimas escolas nas periferias e favelas.DistânciaUma maneira mais simples -porém menos precisa- de constatar esse resultado é comparando a média de escolas particulares e públicas no Saeb (exame do MEC) em cada Estado. Utilizando a mesma série (a oitava) e a mesma disciplina (matemática) analisada por Waltenberg, a Folha comparou essa distância em 2005.São Paulo, de novo, aparece como o Estado onde a rede privada está mais distante da pública. As regiões Sudeste e Nordeste do país também foram mais desiguais.Para o economista, se o país quiser continuar diminuindo sua desigualdade de renda, será preciso colher avanços na desigualdade educacional."Muitos estudos no Brasil só consideram a quantidade nas comparações educacionais, mas a qualidade é determinante da renda. Não basta transferir dinheiro para os mais pobres. Resolver o nó da qualidade é o caminho para alterar a estrutura de desigualdade."SecretáriaA secretária estadual da Educação de São Paulo, Maria Helena Guimarães de Castro, diz que o tamanho da população do Estado (40 milhões) é uma das explicações para a maior desigualdade educacional. "Provavelmente, não existe no Brasil nenhuma rede tão heterogênea quanto a de São Paulo."Ela argumenta, no entanto, que São Paulo tem a maior proporção de jovens de 15 a 17 anos estudando na série adequada para a sua idade (66%). "Aqui, a inclusão dos mais pobres no sistema foi real."Para diminuir a desigualdade, a secretária diz que o governo está melhorando o sistema de recuperação dos alunos com dificuldade de aprendizado e padronizando os critérios de avaliação e o currículo."Cada escola estava avaliando o aluno de uma maneira", afirma. Sou a favor do sistema de progressão continuada, mas, para que ele funcione, é preciso que o aluno seja avaliado constantemente, o que não estava acontecendo. O que estamos fazendo é recuperar as rotinas básicas da escola, que foram abandonadas, mas que precisam funcionar", diz.
Fonte: Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário