Alberto Caeiro
A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo.
Tenho escrito bastantes poemas.
Hei-de escrever muitos mais, naturalmente.
Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto.
Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada,
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.
Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem esforço,
Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos,
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.
Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.
7-11-1915
“Poemas Inconjuntos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa.
8 comentários:
Oi Heli
o importante que cada coisa tem um significado para nossas vidas. Uns mais, outro menos, mas a soma de tudo isto é que faz a grande diferença no nosso olhar, no nosso jeito de ser.
Lindo post
Grande abraço
Julimar
É um prazer encontrar aqui a poesia do "guardador de rebanhos", como apresentou Pessoa este seu heterónimo.
Um abraço
Julimar.
É verdade.
A soma das coisas faz a vida ter seu significado conforme o valor que atribuímos a tudo que está ao nosso redor.
Abraços,
Carlos.
Que bom que você está "chegando junto" aqui conosco.
O "guardador de rebanhos" nos fala ao coração, como tudo que Pessoa nos deixou.
Abraços,
Fernando Pessoa e todos os seus heterônimos me causam um torpor poético ao primeiro contato.
Genialidade é ser muito óbvio para tentar definir Pessoa.
Gostei do espaço, seguirei e passarei sempre por aqui.
Quanto ao paladar, Heli, voltou sim, perfeitamente.
ewuehuhee
abraços
heli,
DEMAIS! A espantosa realidade das coisas, o quanto alegra e basta, ouvir passar o vento vale a pena ter nascido... e diz que não é poeta. bjs/ney.
Ângelo.
Como é bom ter você aqui, chegando junto.
Que bom que a paladar voltou, isso prova que podem haver mudanças em nossas vidas e tudo voltar ao seu estado natural.
Voltarei mais vezes ao seu blog.
beijos
heli
Pois é, Ney.
Ele diz que nem é poeta, imagina se fosse(rs).
Cada coisa tem sua beleza e seu modo de ser, basta sabermos olhar para elas de modo harmonioso.
beijos.
Postar um comentário