22 junho 2009

FERNANDO PESSOA - Um poeta do meu coração

TRAPO

(Alvaro de Campos)

O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste. Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.
Bem sei, a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.
Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.
Carinhos? Afetos? São memórias...
É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.
Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer...
Quando foi isso? Não sei...
No azul da manhã...
O dia deu em chuvoso.

2 comentários:

ney disse...

Fernando Pessoa sabia ser de todos os jeitos, e com tanta alma,intensidade, simplicidade e genialidade, que precisava mesmo dos heteronomios. Mas nunca li nada de qualquer um deles que não gostasse. Único e eterno a nos encantar a vida. ney/

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Ney

Não se faz necessário acrescentar uma única palavra ao seu comentário porque Fernando Pessoa é ímpar, vista-se de qual personalidade queira vestir-se.
Bom dia.