13 abril 2009

APRENDIZAGEM...

Trechos lindos de um livro lindo:

"- Não poderei ir Ulisses, não estou bem.
Houve uma pausa. Ele afinal perguntou:
- É fisicamente que você não está bem?
Ela respondeu que não tinha nada físico.
Então ele disse:
- Lóri, disse Ulisses e de repente parece grave embora falasse tranquilo, Lóri: uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de.Apesar de, se deve comer. Apesar de se deve viver apesar de. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora da minha própria vida.
Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.
(...)

Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro.
Não temos nenhuma alegria que já tenha sido catalogada.
Temos construído catedrais, e ficando do lado de fora pois as catedrais quem nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas.
Não nos temos entregue a nós mesmo, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.
Termos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo.
Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda.
Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes.
Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme de tantos outros contraditórios.
Temos mantido em segredo nossa morte para tonrar nossa vida possível.
Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa.
Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.
Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa.
Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.
Não temos adorado por ter a sensata mesquinhez de lembrarmos a tempo dos falsos deuses.
Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.
Temos chamado de fraqueza a nossa candura.
Temos-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia."

(Uma aprendizagem ou o Livro dos prazeres - CLARICE LISPECTOR)

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