15 outubro 2006

Debate é o escambau - Tutty Vasques

Debate é o escambau - Tutty Vasques


14.10.2006 Daniella Cicarelli, "Tapa na Pantera", Fernando Gabeira, fala sério, seja qual for o assunto – sexo, maconha ou política - ultimamente não dou uma dentro com os leitores deste site. Basta passar os olhos na seção "Comentários" de meus três artigos mais recentes para perceber que a gente não está se entendendo. Nós e a torcida do Flamengo. Seria muita pretensão imaginar que o problema é meu ou dos prezados leitores num país em que ninguém está preocupado em entender o que o outro diz para dele discordar com veemência – taí o último debate que não me deixa mentir.

Brigar, isso que os candidatos fazem quando são chamados a discutir, está virando esporte nacional. A garotada que se criou na Internet tem isso no sangue. Debate para eles é uma espécie de capoeira. Não há argumento contra o rabo-de-arraia nem idéia que resista a um chute bem dado na cabeça de quem a tem. Bateram na minha até por conta do que escrevi aqui na semana passada sobre a dificuldade de parte do eleitorado tradicional de Gabeira em dividir o deputado com o voto de confiança no caçador de severinos.

Era pra ser engraçado, mas não consegui de novo me fazer entender, mesmo depois de refletir a respeito dessa dificuldade mútua no artigo "Que geração é essa?", publicada na revista "Veja Rio" da semana passada. Se tiverem paciência, leiam o texto que reproduzo abaixo, tenho quase certeza de que vou apanhar outra vez. Batam com carinho, por favor!


Que geração é essa?

Não faço a menor idéia de como é ser jovem na era moderna da Internet. A possibilidade de se trancar no quarto depois da escola com todos os mistérios e maluquices do mundo às suas ordens na tela do computador, santa banda larga, precisa ter um tanto de juízo que eu não sei se dispunha aos 16 anos. Outras tantas gerações – não me deixem só, leitores - que na adolescência nem sonhavam com tamanha independência e liberdade de busca jamais saberão exatamente que sensação é essa de crescer sem precisar perguntar nada olhando nos olhos de alguém. As respostas, meu amigo, estão ar: no Orkurt, no You Tube, no Wikipedia, no Msn, no Skype, no Google, na blogosfera.

Qualquer esquisitice – a vida de Van Gogh, o sexo tântrico virtual ou o voto do Caetano –, está tudo lá pro garotão ver, ler, ouvir, interagir e, se não gostar, mandar quem de direito às favas, sem qualquer cerimônia com a celebridade do autor do arquivo, seja ele Luis Fernando Verissimo, Bruna Surfistinha, Millôr Fernandes ou Shakespeare: "Você não passa de um imbecil invejoso" - e-mail, como se sabe, é hoje em dia o meio mais corriqueiro de se encerrar uma conversa.

Não tome isso como denúncia, mas vem sendo criada no cativeiro livre da web uma geração sem papas na língua ou interesse pelo confronto de idéias. Não passa pela cabeça dessa turma a hipótese de aprender alguma coisa com alguém. A garotada de hoje não sabe, sinceramente, que não sabe. A Internet lhe dá o poder absoluto e infinito da onipotência. E quem é você para discordar?

Fechados em pequenas comunidades temáticas, adeptos da linguagem abreviada dos chats e torpedos SMS, os jovens que atingiram a adolescência nos últimos cinco anos de avanços fantásticos na web estão desaprendendo a conversar. A agressão verbal é o único recurso disponível para enfrentar alguém que pense diferente. Se é só uma fase, como se dizia antigamente, ou prenúncio de uma geração sem horizontes ou ambição pelo conhecimento, o tempo dirá. Pode ser que nasça daí uma galera surpreendentemente criativa quando a maturidade exigir atitudes longe do teclado.

Acho que só daqui a uns cinco anos vamos ter idéia do que foi ser adolescente na segunda metade desta década. Por enquanto, mantemos apenas uma imensa dificuldade de entendimento. Desde 2000, dedico pelo menos 90% do meu tempo de trabalho produzindo crônicas e notas de humor para revistas eletrônicas de informação. Vivo na – e da – Internet. Nas últimas três semanas tenho apanhado feito cão sem dono por conta de algumas considerações que fiz no site "NoMínimo" sobre dois vídeos de grande sucesso na atual temporada no tal You Tube: o das cenas de amor de Daniella Cicarelli numa praia da Espanha e um outro chamado "Tapa na pantera", protagonizado por Maria Alice Vergueiro – a Fernanda Montenegro do teatro underground – no papel de uma velha maconheira tirando sarro do vício.

Em resumo, critico em um dos artigos o neomachismo emergente nas ondas da Internet para disseminar entre jovens a idéia de que o desejo feminino é coisa de cachorra, daí o ódio inexplicável a Cicarelli depois daquele vídeo. Na outra crônica, a da septuagenária puxadora de fumo, acuso no curta metragem (visitado por mais de 1,5 milhão de internautas logo nas primeiras semanas de exibição na web) um espetáculo tão degradante do ponto de vista dos neurônios da protagonista que todo pai deveria mostrá-lo aos filhos a título de advertência: "Olha aí como fica uma pessoa que fuma maconha".

Opinião, aprendi com meus mestres em Jornalismo, é boa quando desperta discussão, troca de idéias, contraditórios e até xingamentos. Vivemos o fim de uma era em que todo debate partia da premissa "entendi o que você quis dizer e discordo". Vai entender o que quer te dizer um jovem com "infelizmente o mundo tem lugar pra gente como você, seu preconceituoso". Virei promíscuo e pornográfico, na defesa Daniella Cicarelli; careta e ultrapassado, na crítica ao que julguei conteúdo ruim de dar vergonha a velhos maconheiros. Choveu insultos na minha caixa postal. Coisa de 1 mil mensagens, creio que pelo menos 60% perguntando que tipo de idiota me pagava para escrever.

Sobrou até pra quem foi citado em um dos artigos e, não faz muito tempo, merecia o respeito da garotada por suas idéias em defesa da descriminalização das drogas: "O Gabeira leva 65 anos para chegar a conclusões que qualquer um chega aos 25 anos de idade, e ainda é reverenciado por isso."

Não me aborrecem!

Fico pensando como seria Fernando Gabeira, aos 16 anos, trancado em seu quarto com um computador. Não há porque achar que boa coisa não fosse dar. Vivo, pois, a expectativa do triunfo da geração web. A ela, só me ocorre o conselho que Nelson Rodrigues costumava dar aos jovens de antigamente: "Envelheçam, envelheçam logo...!"

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