31 janeiro 2008

ESTATUTO DO HOMEM

Estatuto do Homem

(Thiago de Mello)

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
Agora vale a vida e de mãos dadas, trabalharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra, e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.

Artigo V
Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura das palavras.
O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante todos os séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha o quente sabor da ternura.

Fica permitido a qualquer pessoa, a qualquer hora da vida, o uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado por definição, que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado nem proibido. Tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.

Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras.
Expulso o grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festo do dia que chegou.

Artigo final
Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, ou como a semente do trigo e a sua morada será para sempre o coração do homem.

2 comentários:

heli disse...

Esse artigo final está demais!
Viver a liberdade de modo transparente não é nada fácil, dar-lhe as características do trigo ou do fogo é algo a ser pensado...

heli disse...

Esse artigo final está demais!
Viver a liberdade de modo transparente não é nada fácil, dar-lhe as características do trigo ou do fogo é algo a ser pensado...