22 dezembro 2006

Faz mal ao coração - Zuenir Ventura

no mínimo volta à primeira página Zuenir Ventura

Faz mal ao coração

21.12.2006 | Sempre soube, mais por experiência dos outros do que própria, que a virada do ano com suas "boas festas" compulsórias, era uma época propícia à depressão. O Natal então! Não há equilíbrio emocional que resista à obrigação de num dia certo e numa hora certa ter que ter os mesmos bons e alegres sentimentos, fazer os mesmos votos, comer a mesma ceia, o mesmo peru e as mesmas nozes, castanhas, avelãs, figos, passas e, claro, a indefectível rabanada. Já nem falo das queixas e ressentimentos que se acumulam durante o ano para se manifestarem na hora do nascimento do Menino Jesus. Alguém chegou a criar o slogan "Família unida, sim; reunida, jamais".

O que era apenas impressão ou idiossincrasia acaba de confirmar-se cientificamente, pelo menos para mim. Um amigo cardiologista, lamentando sua falta de tempo, explicou que, à medida que se aproxima o fim de ano, cresce incrivelmente o número de consultas em sua clínica. São casos de enfarte e outras ziquiziras ligadas ao coração. "Há cinco anos pelo menos venho observando isso", me confessou, admitindo que a causa poderia ter a ver com a saudade e a melancolia que nos invadem a alma e o bolso nesse período. Por minha conta, acrescentei ao diagnóstico médico a irritação com os comerciais de tv e com o consumo induzido, o dinheirinho e/ou os presentinhos para os porteiros, o vigia, o guardador de carro, os entregadores de jornais, de remédio, de pizza, garis e carteiros. E a instituição do amigo oculto.

Dos bodes e saias justas que costumam ocorrer, há um que não esqueço. Eu trabalhava numa revista, e resolvemos juntar o pessoal da redação e da publicidade para as comemorações natalinas. Aquela alegria! Os comes e bebes foram muito fartos, talvez até demais. Na hora de abrir os presentes, as reações previsíveis e muitas vezes educadamente hipócritas: "obrigado, que ótimo, eu estava mesmo precisando", "como é que você adivinhou?", "Ah, que graça!". Até que uma colega publicitária - no dia-a-dia, uma moça delicada e fina - abriu o seu embrulhinho, retirou o que devia ser uma pulseira e gritou, indignada: "essa merda eu não quero!". Caminhou alguns passos e jogou a merda pela janela do sexto andar. De vergonha, o amigo oculto dela quase foi atrás.

Uma vez, ou várias vezes, cheguei a escrever que o Natal era a mais colonizada de nossas festas, onde tudo parece tão postiço quanto as barbas de Papai Noel: a neve de algodão, os trenós sobre esqui, o saco, a roupa quente em pleno verão, e até a invasão exótica dos já citados comestíveis nas mesas da nossa tropical terra da banana. Para detratar o Natal, elogiei o réveillon, dizendo que, apesar do nome, era uma festa de Iemanjá e não custava nada, não dava despesa, assim como o carnaval, que permitia brincar de graça.

Até aí tudo bem. Mas quando concluí que o Natal era uma festa universal, mas cafona e piegas, recebi tantos protestos que me arrependi. Pessoas me desafiaram a citar alguém civilizado, eu, por exemplo, que seja capaz de não comemorá-lo de alguma maneira - seja indo a um almoço da empresa, seja dando um presente, participando de uma ceia doméstica ou simplesmente desejando ao vizinho um "feliz Natal!".

Foi assim que tomei a decisão de nunca mais escrever sobre Natal - ou sobre reveillon ou sobre carnaval. Nessa época do ano, arranjo sempre outro assunto sobre o qual falar.

Nenhum comentário: