11 maio 2011

Fonte: Folha de S.Paulo / Elio Gaspari

ELIO GASPARI: A lição dos cotistas médicos da Uerj
(11/05/2011 09:56:00)
Evasão foi irrelevante, ódio racial não apareceu e cotas levaram mais negros e pardos ao curso superior
O PRÓXIMO GRANDE julgamento do Supremo Tribunal Federal poderá ser o da constitucionalidade das cotas nas universidades públicas brasileiras. Já se conhece o voto do ministro-relator, Carlos Ayres Britto, a favor.
Está aí um caso em que a lentidão do Judiciário serviu para limpar o debate, impondo-lhe fatos da realidade. Quando ele começou, em 1999, valia tudo. As cotas seriam uma coisa ``escalafobética``, medida ``para inglês ver``. Degradariam as universidades levando-lhes alunos despreparados que não concluiriam os cursos. Pior: abririam as portas para o ódio racial.
Passaram-se 12 anos, 70 das 98 universidades públicas adotaram algum tipo de cota, sobretudo para alunos vindos de escolas públicas. Entre elas, 40 abriram vagas para estudantes descendentes de escravos ou índios. O ódio racial continuou onde sempre esteve, na cabeça de quem o tem.
A repórter Márcia Vieira radiografou a turma de 94 alunos que se formou em Medicina na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Entre eles, há 43 médicos que só chegaram ao curso superior porque a Assembleia Legislativa criou um regime de cotas. Evasão? Quatro para cada grupo.
O apocalipse ficou para outra ocasião. Essa conversa é antiga. Nos debates da Abolição, o visconde de Sinimbu avisava: ``brincam com fogo os tais negrófilos``. As cotas seriam constrangedoras para os negros. Tudo bem, segundo o romancista José de Alencar, a Lei do Ventre Livre também lhes seria prejudicial, verdadeira ``Lei de Herodes``.
Como dizia o Visconde de Sinimbu, ``a escravidão é conveniente, mesmo em bem ao escravo``. Só os cativos e os negrófilos não entendiam isso.
Em alguns casos, como o da Uerj, as universidades cumprem leis estaduais. Em outros, cada uma exerce sua autonomia e desenha a própria política. A maioria das escolas ficou na norma autodeclaratória. Se o jovem se declarou carente e passa férias em Ibiza (como já sucedeu na Uerj), ou se um louro de olhos azuis diz que é pardo, ambos são vigaristas. A política que fraudou nada tem a ver com isso. A exposição pública dos delinquentes e a imposição do risco de expulsão seria bom remédio.
Ainda no caso da Uerj, dois números indicam que a defesa das cotas deve se afastar de situações irracionais. Ela segue um sistema criado pela Assembleia Legislativa que, pura e simplesmente, fixou percentagens para a linha de chegada.
Por exemplo: 45% das vagas devem ir para alunos que comprovem renda per capita inferior a R$ 960 na família. Isso fez com que a relação candidato/vaga no vestibular fosse de 5,33 para os cotistas e de 55,8 para os demais.
Resultado: para ser admitido, um não cotista precisou tirar pelo menos 75,75 pontos. Ao cotista bastaram 41,5. Sempre haverá um não cotista com nota superior à de um candidato que foi beneficiado pela iniciativa, pois a política de cotas é um generoso incentivo à inclusão. Contudo, diferenças desse tamanho resultam numa exclusão difícil de ser explicada. A distância entre o barrado e o admitido -34,25 pontos- foi quase do tamanho da nota do cotista.
Como resolver? Estabelecendo que a distância entre a nota de um não cotista barrado e a de um cotista admitido não poderá ser superior a um determinado número de pontos. Dez? Quinze? Vinte?
Fonte: Folha de S.Paulo / Elio Gaspari

4 comentários:

heli disse...

Jards.
Bem oportuno o texto que.
Vivemos fora da realidade e as coisas vão acontecendo ao nosso redor sem que tenhamos conhecimento referentes a eles.
As instituições de ensino no Brasil vão de mal a pior.Isso vale para todos os níveis e não somente para as universidades.
Cotas ou não,eis a questão...
Estava sentindo sua falta por aqui
Continue fazendo as tuas postagens, pois vc contribui de modo muito rico as postagens feitas no blog.
Tenha um bom dia!
Forte abraço

Vera Lúcia disse...

Adorei esta crônica. Vem muito a propósito,pois, é uma vergonha o que tem ocorrido com relação às cotas universitárias. Onde está a fiscalização? Nós, brasileiros, precisamos denunciar, sim, todas as irregularidades, para que haja mais lisura na distribuíção dessas cotas e lutar para elevar o minimo exigido ao acesso do aluno, com o risco de formamos profissionais totalmente despreparados.

ney disse...

Os seres humanos não crescem, não se libertam, não amam nem respeitam o próximo, não conseguem se livrar de tantos preconceitos e falsas ideologias, e ficam embolando o meio de campo com tantas leis para uma convivência pacífica e feliz. E chutam e atiram uns nos outros nos estádios, nas ruas, condomínios, escolas, em casa.
E apedrejam mulheres, explodem todos as sua volta, crucificam, e se dizem seguidores de princípios religiosos. E não largam o poder e a tirania, mesmo que o povo clame nas ruas por liberdade e independência, ao contrário, atiram com tanques de guerra na população.
Tá feia a coisa. No mais eu acho que quem tira a nota maior é que tem direito a vaga, senão reinventam o preconceito ainda pior (dos dois lados). Mas dando a todos o direito a uma educação digna, claro!
Mas a liberdade está crescendo pelo mundo e diminuindo as tiranias, estamos no caminho certo e vale sempre acreditar. Querendo ou não, o bem vai vencendo o mal. Ney/

Vera Lúcia disse...

Lindo depoimento, Ney. Parabéns! Você foi muito feliz na sua exposição. Com certeza, o bem vai vencer.