22 janeiro 2011

A parábola dos talentos-Rubem Alves


Havia um homem muito rico, possuidor de vastas propriedades, que era apaixonado por jardins. Os jardins ocupavam o seu pensamento o tempo todo e ele repetia sem cessar: “O mundo inteiro ainda deverá se transformar num jardim. O mundo inteiro deverá ser belo, perfumado e pacífico. O mundo inteiro ainda se transformará num lugar de felicidade.” Suas terras eram uma sucessão sem fim de jardins, jardins japoneses, ingleses, italianos, jardins de ervas, franceses. Era um trabalhão cuidar dos jardins. Mas valia a pena pela alegria. O verde das folhas, o colorido das flores, as variadas simetrias das plantas, os pássaros, as borboletas, os insetos, as fontes, as frutas, o perfume…


Sozinho ele não daria conta. Por isso anunciou que precisava de jardineiros. Muitos se apresentaram e foram empregados. Aconteceu que ele precisou fazer uma longa viagem. Iria a uma terra longínqua comprar mais terras para plantar mais jardins. Assim, chamou três dos jardineiros que contratara, Paulo, Hermógenes e Boanerges e lhes disse: “Vou viajar. Ficarei muito tempo longe. E quero vocês cuidem de três dos meus jardins. Os outros, já providenciei quem cuide deles. A você, Paulo, eu entrego o cuidado do jardim japonês. Cuide bem das cerejeiras, veja que as carpas estejam sempre bem alimentadas… A você, Hermógenes, entrego o cuidado do jardim inglês, com toda a sua exuberância de flores pelas rochas… E a você, Boanerges, entrego o cuidado do jardim mineiro, com romãs, hortelãs e jasmins.” Ditas essas palavras ele partiu. O Paulo ficou muito feliz e pôs-se a cuidar do jardim japonês. O Hermógenes ficou muito feliz e pôs-se a cuidar do jardim inglês. Mas o Boanerges não era jardineiro. Mentira ao se oferecer para o emprego. Quando ele viu o jardim mineiro ele disse: “Cuidar de jardins não é comigo. É trabalho demais…” Trancou então o jardim com um cadeado e o abandonou. Passados muitos dias voltou o Senhor dos Jardins, ansioso por ver os seus jardins. O Paulo, feliz, mostrou-lhe o jardim japonês, que estava muito mais bonito do que quando o recebera. O Senhor dos Jardins ficou muito feliz e sorriu. Veio o Hermógenes e lhe mostrou o jardim inglês, exuberante de flores e cores. O Senhor dos Jardins ficou muito feliz e sorriu. Aí foi a vez do Boanerges. E não havia formas de enganar.

“Ah! Senhor! Preciso confessar: não sou jardineiro. Os jardins me dão medo. Tenho medo das plantas, dos espinhos, das taturanas, das aranhas. Minhas mãos são delicadas. Não são próprias para mexer com a terra, essa coisa suja… Mas o que me assusta mesmo é o fato das plantas estarem sempre se transformando: crescem, florescem, perdem as folhas. Cuidar delas é uma trabalheira sem fim. Se estivesse no meu poder, todas as plantas e flores seriam de plástico. E a terra seria coberta com cimento, pedras e cerâmica, para evitar a sujeira. As pedras me dão tranquilidade. Elas não se mexem. Ficam onde são colocadas. Como é fácil lavá-las com esguicho e vassoura! Assim, eu não cuidei do jardim. Mas o tranquei com um cadeado, para que os traficantes e os vagabundos não o invadissem.” E com estas palavras entregou ao Senhor dos Jardins a chave do cadeado. O Senhor dos Jardins ficou muito triste e disse: “Esse jardim está perdido. Deverá ser todo refeito. Paulo, Hermógenes: vocês vão ficar encarregados de cuidar desse jardim. Quem já tinha jardins ficará com mais jardins. E, quanto a você, Boanerges, respeito o seu desejo. Você não gosta de jardins. Vai ficar sem jardins. Você gosta de pedras. Pois, de hoje em diante, você irá quebrar pedras na minha pedreira…”

Rubem Alves
Gaiolas ou Asas – A arte do voo ou a busca da alegria de aprender
Porto, Edições Asa, 2004

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