08 fevereiro 2007

FERNÃO CAPELO GAIVOTA

"Fernão Gaivota, disse o Mais Velho - é chamado ao centro por vergonha aos olhos das gaivotas suas semelhantes! -...pela sua irresponsabilidade - entoava a voz solene - por violar a dignidade e a tradição da família das gaivotas...
Irresponsabilidade? Meus irmãos! Quem é mais responsável do que uma gaivota que descobre e desenvolve um significado, um propósito mais elevado na vida? Se todos nós formos alienados seguindo os Mais Velhos, sob uma capa de 'conhecimento acadêmico' limitadíssimo e fragmentado pela própria limitação da mente o mundo desconheceria a intuição e a emotividade. Dêem-me uma oportunidade, deixem-me mostrar-lhes o que descobri. Essa atitude cética de ver a vida não consegue dar uma perspectiva mais clara do mundo humano e não consegue porque usam sua rotina prática para distrair-se, para restringir a vida apenas às suas condições práticas. E fazem isso para evitar a lembrança de como se sentem inseguras em relação ao motivo de estarmos vivos e o que está por trás da vida biológica neste planeta. Por que estamos aqui na verdade?"
Fernão Capelo Gaivota era diferente da maioria das gaivotas de seu bando, que só pensava em lutar por comida, junto aos barcos de pesca. Ele amava voar. Passava dias inteiros sozinho no mar, treinando vôos rasantes em alta velocidade, para aflição de seus pais e desaprovação de todos. Em vão tentou fazer-lhes a vontade e agir como os outros. Seu único interesse era aprender mais e mais sobre a arte de voar.
Vezes sem conta vezes se desequilibrou, caindo violentamente na água.
Depois de uma queda que quase lhe custou a vida, ia desistir, mas, repentinamente, descobriu um modo de controlar sua velocidade. Levantou vôo, e sem pensar em morte ou fracasso, conseguiu atingir a marca estonteante de trezentos e vinte quilômetros por hora, inimaginável para qualquer outra gaivota viva. Sua alegria foi enorme. Radiante, pensou: “As gaivotas podem ser livres, podem procurar seus peixes no mar, em vez de ficarem ao redor dos barcos de pesca, guerreando por migalhas.”

Muitos anos depois, já bem velho, no meio de um vôo, encontrou duas gaivotas, inacreditavelmente brancas e brilhantes que o conduziram através da neblina. Disseram-lhe: “Está na hora de voltar para casa” e ele compreendeu que acabava de entrar em outra dimensão e em outra etapa de aprendizado. Nesse lugar, havia um bando pequeno de gaivotas que voavam divinamente e cujo objetivo era encontrar novas técnicas, melhorando sempre a qualidade de vôo. Lá encontrou um velho mestre, Chiang, de quem se tornou aluno especial por sua enorme persistência e capacidade de aprendizagem. Com Chiang aprendeu que poderia voar no passado e no futuro, mas que o mais difícil era desenvolver a bondade e o amor. O destino de Fernão era ser instrutor e foi crescendo em seu coração o desejo de regressar e mostrar à nova geração que a vida era mais que tão somente uma luta por comida. Quem sabe não haveria algum exilado, desesperado à procura de um mestre? Assim pensando, com a facilidade que desenvolvera através da prática, voltou para o lugar onde vivia seu antigo bando. Nesse momento, o jovem Francisco Gaivota, enfurecido, voava em direção ás Grandes Colinas, banido para sempre. Vociferava insultos aos mais velhos quando, subitamente, ouviu em seu pensamento: “Acalme-se e perdoe. Ajude-os a compreender”. Tornou-se discípulo de Fernão Gaivota. Aos poucos, outros jovens banidos se juntaram a eles, determinados a voar. Um dia, Fernão decidiu levá-los de volta e desafiar o bando. Através de acrobacias, demonstraram a todos a maravilha da liberdade. Mais e mais jovens foram se reunindo a eles e finalmente, apesar dos insultos da maioria, quem se decidisse a voar já não era mais expulso do convívio dos seus. Fernão, vendo concluída sua missão ali, se retirou, deixando a Francisco a tarefa de continuar a ensinar. “A importância de voar é perceber que não somos apenas um amontoado de ossos e penas. Voamos e desejamos voar cada vez mais alto e melhor, porque somos uma idéia da Grande Gaivota, somos uma idéia de ilimitada liberdade e o paraíso consiste em atingir a perfeição”.

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